domingo, 28 de março de 2010

O INDIVIDUO, A FAMILIA, A SOCIEDADE

Maria Angela Teixeira

Foi discutido durante algum tempo quem tinha mais relevância ou influenciava mais nas transformações sociais que o mundo sofria, se o individuo, a família ou a sociedade. Por onde deveríamos começar? Pelo individuo, pela família ou pela sociedade? Era mais ou menos como a discussão sobre quem veio primeiro o ovo ou a galinha. Atualmente, este debate não tem mais sentido. Os três grupos são importantes e estão inter-relacionados, não há como fugir dessa realidade. O caminho de transformação e desenvolvimento dos seres humanos pode ser iniciado em qualquer um dos três segmentos. Tanto pode começar no individuo, passando pelos valores da família e chegando às normas sociais, como pode começar pelos valores familiares passados aos indivíduos e apoiados pela sociedade. O ser humano em si mesmo é um sistema unido a um sistema familiar, que por sua vez se incorpora a um sistema maior, a comunidade, que se coliga a um sistema mais amplo, o mundo, que por sua vez se unifica com o universo, o infinito, Deus. Sistema por sistema todos os seres e coisas estão interligados. Somos uma rede de relações.

Partindo desse principio de que todos os sistemas estão interconectados é que abrimos para outro tipo de discussão. O processo de desenvolvimento de cada ser humano abrange aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais nos quais estão incluídos relacionamentos consigo mesmo, com o cônjuge, a família, com o outro de forma geral. E o que se vê presentemente? Cada pessoa ou cada família absorvida somente com seus problemas, cada profissional preocupado só com uma pequena parte do nosso corpo ou da nossa mente ou só com a parte social como se estivesse desligado do todo que nos une. Que conseqüência pode nos trazer essa visão de mundo? Uma alienação cada vez maior.

Pensemos um pouco na família que influencia e é influenciada por todo o sistema. A família no momento atual está em pleno processo de mudança. Frente a modelos cada vez mais diversos de configurações familiares sofre uma sobrecarga de problemas vindos de todos os lados. A família como instituição tradicional sofreu um terremoto e precisa reconstruir suas bases. Como após todo abalo, precisa de ajuda. A família se modificou, vejamos alguns fatos. Para começar, o casamento agora tem pouca duração, quando muito dura até a primeira divergência séria ou no máximo uma década. A mulher trabalha fora, tem uma dupla jornada e isto tem influenciado a dinâmica da família. O homem ainda não sabe como se adaptar a estas transformações da mulher.

As famílias só com um progenitor (geralmente mulheres) estão cada vez mais freqüentes na nossa sociedade. As famílias que iniciam novos casamentos ainda não sabem lidar com a nova situação. Se numa família dita nuclear (pais e filhos) ainda num primeiro casamento já é difícil, imagine com famílias advindas de segundo, terceiro ou quarto casamentos. Como administrar tudo isso? Como lidar com jovens cada vez mais sem limites versus pais cada vez mais inseguros dos seus papéis? Como lidar com a violência que assola o país e os lares? Esse é um problema só das famílias, da sociedade como um todo, de cada um em particular ou nosso?

Num país como o Brasil, cujos valores de honestidade estão sendo afundados pela corrupção, como ajudar os indivíduos e as famílias a não acharem que isso é normal? Enfim esses e muitos outros são problemas com os quais cada um de nós, religiosos, políticos, cientistas, profissionais liberais ou apenas pais temos que nos unir para ajudar uns aos outros. Faz parte do nosso dever como cidadãos. Cidadão não é aquele que vive em sociedade é aquele que a transforma.

E onde estão os profissionais das ciências bio-psico-sociais para ajudar a família nessa nova construção? Onde estão os médicos que lidam com a saúde da família, advogados da área de família, administradores, psicólogos, assistentes sociais, educadores, sociólogos, antropólogos que lidam com as relações humanas? Como fazer nossa parte na relação com esse grupo? Refletindo, pensando e agindo com a família e o individuo sempre levando em consideração a totalidade em que ele está inserido. O ser humano não é uma peça solta no espaço.

No meu caso uso a Terapia Familiar Sistêmica. E o que é a Terapia Sistêmica Familiar? A Terapia Sistêmica Familiar teve seu início na década de 1950 nos Estados Unidos da América e começou com um grupo de psiquiatras, psicanalistas e assistentes sociais influenciados pela Teoria Geral dos Sistemas e pela Cibernética. Os iniciadores da Terapia Familiar observaram que o individuo dentro da família formava um sistema quando nos atendimentos clínicos perceberam que os problemas estavam inter-relacionados; quando existia um conflito, não era só o membro portador do sintoma identificado, o doente, mas era a família como um todo que não estava sabendo administrar seus problemas internamente e frente à sociedade.

O portador do sintoma algumas vezes era o membro familiar mais frágil ou aquele que denunciava os conflitos familiares e os exteriorizava. Usando a metáfora de nosso corpo como um sistema, se uma célula cancerosa contamina todo o nosso organismo e reagimos ou não; uma família também é afetada por um componente portador de um sintoma ou vice-versa, uma família em crise relacional do mesmo modo compromete seus membros. Freqüentemente preferimos apontar o dedo para o portador do sintoma e esquecemos-nos da nossa participação na formação desse problema, assim nos relacionamos com o problema e não com a pessoa em si.

A Terapia Familiar se difundiu e hoje com raras exceções é aplicada no mundo todo. Surgiram diversas abordagens para trabalhar com a família, cada uma iniciando com um determinado foco. Exemplos: focar nos padrões familiares que contribuem para desestruturar a família; na comunicação familiar patológica; na solução dos problemas ao invés de centrar nos problemas; na diferenciação dentro da família; ou como mudar a relação da historia repetitiva que está paralisando a família, etc. Enfim, partindo de qualquer um desses focos o objetivo é fazer que a família se movimente a aprenda a lidar com seus problemas, atue de forma mais saudável de acordo com seus valores e da cultura em que vive. A família saudável é a que sabe lidar com seus problemas.

O trabalho terapêutico com famílias requer uma compreensão do intrapsíquico, do inter-relacional e do social, apesar de todas as dificuldades. Todo este trabalho tem que levar em consideração o contexto em que vive a família, os valores e crenças que a cercam, a conjuntura social e a diferenciação da pessoa em si.

Lógico que a idéia não é transformar todos os profissionais liberais em terapeutas familiares, mas chamar a atenção para uma visão sistêmica do individuo, pois ao trabalhar com qualquer pessoa no aspecto físico, mental, familiar, social ou espiritual estamos trabalhando também com sua rede de relações. Acredito que esta visão da totalidade do ser nos ajudará a sermos melhores profissionais nas áreas das ciências bio-psico-sociais e contribuirá para nos tornarmos cidadãos transformadores do mundo.

Maria Angela Teixeira – Mestra em Família na Sociedade Contemporânea, psicóloga, psicoterapeuta individual, de casal e família. Coordenadora do Curso de Especialização para Formação em Terapia Familiar da FSBA.

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